O que vi e ouvi sobre a cultura Moçambicana



Fiz 4 viagens à Moçambique: 2004,  2007 a 2008, 2009, 2011 - e nesse tempo conheci e pesquisei sobre a cultura moçambicana. O que passo a relatar:

INTRODUÇÃO: vida em Moçambique é cheia de cerimônias. Em muitos lugares é mais acentuado, principalmente mais para o interior. A cultura é extremamente forte e poderosa, influenciando o modo de pensar e agir, e muitas vezes trágica. 

DOENÇAS: a doença que mais mata é a AIDS. Os moçambicanos a denominam de “HIV SIDA”. Há muito tabu com relação a esta doença. Uma pessoa que descobre que é infectada, mantém em segredo, principalmente quando é homem. Não se proclama seu estado “aos quatro ventos”. É delicado falar sobre esse assunto.
Malária é a segunda doença que mais mata em Moçambique. Seguido de cólera. A tuberculose é o estágio final da AIDS.

CHEGADA E REFEIÇÃO - Quando se chega de visita à casa de um moçambicano, a primeira coisa que se faz, é uma oração. Geralmente com o pai da casa. Os visitantes são hóspedes. Logo após eles são convidados a se sentar, enquanto é preparada a comida. Ás vezes o homem da casa (pai) senta junto, mas a maior parte do tempo os hóspedes são deixados sozinhos*. O tempo passa: 30 minutos, uma hora, ou até mais. Então finalmente é oferecido a comida. A mesa, que fica dentro de casa, é preparada para somente os hóspedes e o pai da casa. A refeição preparada com o melhor que podem oferecer.  Geralmente arroz, caril (molho) de frango. Acompanhando salada e refrigerante. A mãe e as crianças comem sentados na esteira ou em outro lugar. Passam uma bacia com água para lavar as mãos. Ninguém precisa levantar. Tudo é trazido no lugar. Se for mais frio, a água é aquecida. Depois é apresentada a comida. Ela vem tampada à mesa, por isso, o pai levanta tampa por tampa e apresenta a comida. Em seguida tampa novamente.  
Os hóspedes são considerados como mensageiros de Deus, que sempre tem alguma palavra de encorajamento ou sabedoria para transmitir. São servidos de um modo tão carinhoso, mas que muitas vezes é possível confundir com a época da escravatura, onde os “senhores”, eram servidos pelos escravos. Talvez exista alguma herança ali.
Isso causa um sensação estranha em nós, cristãos, uma vez que a Palavra de Deus diz que viemos ao mundo para servir e não para ser servido.

*Este fato de deixar os hóspedes sozinhos, vem de uma prática muito antiga, quando alguém se deslocava de sua aldeia para outra, geralmente para levar uma má notícia – de morte. Andava muitos quilômetros a pé. Quando finalmente chegava ao destino, as pessoas pediam para sentar e descansar e ofereciam água. Mas antes de falar, preparavam uma refeição para que pudessem comer juntos. E só depois ouvir o que tem a dizer.  

HÓSPEDES:
Quando você recebe um hóspede em sua casa, nunca pergunte a ele: Você quer um copo de água? Ele vai entender isso como uma oferta de uma refeição.
Pergunte assim: Você quer beber água? Então é só a água mesmo.


AS MÃOS:
As mãos são muito expressivas na cultura. Come-se com a mão direita apenas, pois a esquerda serve para fazer a higiene pessoal. Entre os muçulmanos (que são um número expressivo) não se oferece nada sujo com a mão direita. É ofensivo. Como o dinheiro, por exemplo. Sempre com a mão esquerda.
Receber uma prenda (presente) juntando as duas mãos, já é uma maneira de agradecer.

CASAMENTO E FAMÍLIA
Sistema Matriarcal - Em Nampula o sistema familiar é “matriarcal” – a mulher provê o sustento e geralmente é também o “chefe”. O marido precisa construir uma casa para a mulher e família. Quando o marido morre, tudo fica para ela.
Sistema Patriarcal - Já em outras províncias (estados) o sistema é mais patriarcal. O marido constrói a casa, sim, mas quando ele morre, a família do marido tira tudo dela, e chega a bater nela.
- Na tribo “Ndau” – o homem costuma ter de 3 a 10 mulheres ou mais. Ele é o centro e toda família está à sua disposição. Quanto mais mulheres e filhos, maior a força de trabalho. Principalmente quando são do sexo feminino.

 – A pressão para o casamento é grande. Quando o filho chega aos 20 anos, os pais querem que case. Se ele não escolher uma parceira, a família pode “arranjar” alguém. É normal que o casal vá morar junto sem casar (inclusive crentes).
Existe a cerimônia do Lobolo. Ato de lobolar – é quando o jovem conversa com os pais da moça sobre sua intenção de casar. No caso de crentes, os presbíteros, anciões e outros influentes na igreja são convidados para testemunhar ou liderar esta reunião.

As famílias se constituem com ou sem casamento. Após 5 meses juntos, é necessário que a mulher engravide. Se isto não acontecer, vem a suspeita de que ela seja estéril. A esterilidade é um problema grande, quase como uma maldição. A mulher pode estar carregando a culpa de seus antepassados, ou coisas assim. Mesmo que a esterilidade esteja no homem, a mulher é culpada. Nesse caso ela também poderá ser devolvida à sua família. A mulher separada, ou estéril, dificilmente casará novamente. Ela é desprezada e humilhada.  Os homens não querem uma mulher que “já era de dono” (pertencia a outro).
A mulher dá a luz a muitos filhos, não porque deseja isso, ou porque ama ter crianças, mas por medo de ser abandonada pelo marido. Quanto mais filhos, maior é a segurança que ela sente. Quanto menor o número, maior a possibilidade de o marido separar-se. É aceitável também, e até comum, que um homem possua mais mulheres. É uma condição de poder. Já existe uma campanha do governo com a tentativa de fazer planejamento familiar, e reduzir o número de filhos. Vimos outdoors com dizeres do tipo: Nós decidimos quando e quantos filhos queremos ter. E você?

Os bebês vivem a maior parte do tempo “pendurados” nas costas da mãe, na keka (amarrado numa capulana). Elas kekam o neném nas costas. A partir dos 4 meses aproximadamente até aos 2 anos são carregados assim. A partir de então são deixados, ou abandonados. É a vez do próximo. Isso cria um certo choque na criança. Elas se sentem abandonadas e carentes.
Os pais não dialogam com os filhos. Eles os sustentam, e “mandam” fazer as coisas. Desde cedo eles trabalham muito. Principalmente as meninas precisam ajudar em casa. Os meninos vivem mais soltos.

A disciplina não é praticada. Perdem-se oportunidades de ensinar, por falta de diálogo. Uma das frases faladas aqui é: “Quando a criança quer osso, deve se dar o osso”. Isto é – ela recebe tudo o que quer – quando chora, recebe.

GRAVIDEZ:
É vergonhoso para a mulher dizer que está grávida. Em público, jamais. É vergonhoso também engravidar em menos de dois anos após o nascimento do último filho. É um sinal que o casal não conseguiu esperar com relação ao sexo. Após o parto, o casal não pode ter relações sexuais, mas é permitido que o homem tenha “casos” com prostitutas. (Esta prática é aceita até entre crentes). Nesse período a incidência de HIV aumenta. O pai leva  para casa a doença e infecta a mulher, e consequentemente os filhos que haverão de vir. Na tribo “Ndau”, existe a crença de que enquanto amamenta o filho, o esperma do marido entra no leite na mãe. Por esse motivo não mantem relações sexuais.

MACHISMO:
O machismo é muito acentuado. Se existe uma cadeira apenas em uma casa, ela é do marido. A mulher senta no chão. Não existe o cavalheirismo. Com raras exceções. O carinho ou amor não são manifestados em público, ou, raramente existem na vida do casal.
- Na tribo “Ndau” o homem exige que a mulher se ajoelhe diante dele quando deseja conversar.

MULHER:
A mulher é que carrega os pesos: compras, bebê, água, etc... São as mulheres também que trabalham na machamba (roça).Os homens (mais do interior) escolhem mulheres que trabalham e não as que ficam  a desfilar.
O traje da mulher é a saia, ou capulana. Algumas mais jovens aderiram à moda brasileira, devido à influência das novelas brasileiras. Usam calça jeans.  
Os objetos indispensáveis para a mulher são: capulana, cesto ou bandeja, esteira e fogão de carvão.
Na tribo “Ndau” a mulher faz o trabalho pesado e ainda serve ao marido enquanto ele permanece sentado e esperando. Às vezes ele tem emprego. Mas jamais trabalha na roça ou faz trabalhos pesados. As mulheres criam um corpo musculoso de trabalhos pesados, mas acabam-se cedo.

Numa visita a um orfanato no interior, o líder nos contou que as crianças recebem duas refeições ao dia. A primeira ao meio-dia e a outra à noite. Observei que uma criança de apenas 5 anos recebeu uma pratada tão cheia de comida, que quase daria para o almoço de minha família (4 pessoas adultas). Ela comeu tudo, deixando apenas algumas migalhas. O alimento é forte: massa com molho de tomate e verdura. Ás vezes com carne e feijão. As crianças não tem aparência saudável. Elas possuem barriga grande e as perninhas são raquíticas. O cabelo de cor avermelhada. Perguntei ao líder, o Manuel, porque não dão o que comer logo quando levantam, para poderem brincar melhor durante as manhãs. Ele respondeu que eles comem muito quando levantam, e depois brincam e gastam toda a energia. Ao meio dia precisam mais uma vez de comida. Desse jeito eles consomem muita comida. Eles nunca ouviram falar de “dosar a comida”. Repartir para comerem várias vezes ao dia e cada vez pouco. Isso ajudaria na saúde.

Cabelo vermelho – é a conseqüência da falta de proteína. Falta o feijão e a carne. Principalmente se encontra essas crianças mais nos interiores.

CHIÇASSA - Cerimônia, de introdução de um bebê ao meio social. Cheguei tarde, a cerimônia já havia iniciado. Entrei numa sala escura, não enxergava nada a princípio. Percebi que estava cheio de mulheres sentadas no chão em esteiras. Tropecei nos pés de uma, mas cheguei até a parede. Graças a Deus me trouxeram uma cadeira, como é costume para quem vem de fora. Após algum tempo consegui enxergar a sala lotada... mas com o passar do tempo, vinham mais mulheres. Todas conseguiram um lugarzinho no chão, com seus bebês nas costas e às vezes duas ou três crianças na mão. As mulheres liam passagens Bíblicas a falavam alguma mensagem sobre o texto. Tudo na íngua "sena". Eu não entendia nada, mas tentei participar. A festa era para ter início às 9 H. Eu cheguei às 11 H, por causa do programa das crianças, mas após mim ainda chegaram muitas mulheres. Estava realmente apertado lá dentro. Mas mesmo assim ainda acharam um lugar para colocar a banheira e dar banho no bebe (que faz parte da cerimônia), e após ainda conseguiram ficar em pé e dançar pra valer. Sob um calor de 35 graus, dentro de um cubículo com telhado de alumínio, sem janela... elas suavam feito cachoeira. Tentei ficar em pé também, mas não encontrava espaço para meus pés.

Os homens, nesse tempo ficam fora esperando,  pacientemente, sentado em cadeiras. 
Depois saímos finalmente do calor e sentamos todos debaixo de uma lona...bem, estava um pouco mais fresco. Então tomamos "maheu". A essa altura, com o estômago já nas costas, o maheu, mesmo morno, caiu bem.

Pai Sangalaza estava radiante. Ele me contou que estava feliz pela bondade que Deus tem demonstrado em ter essa família (com essa "bondade" eles querem dizer - "nascer muitos filhos").
Quando pensei em sair e ir para meu outro compromisso na zona do Esturro, onde já havia crianças esperando por mim, me vieram perguntar se não iria junto para consolar a família enlutada.Recebi a notícia que numa família o pai e a filha faleceram. Eram parente da mulher de um dos pastores. Eu sabia que isso iria demorar. Então pensei: "São gente que não vai na igreja, e não conheço ninguém. Tem 5 pastores presentes, mais toda a igreja indo pra lá. Eles falam e oram o tempo todo em "sena". Pra que eu precisarei ir também? Se não fossem os programas marcados eu iria. E então pedi desculpas e fui fazer os programas de crianças. Muitas estavam a minha espera e radiaram de alegria quando me viram, ou melhor, quando viram o Jimi. 
Mas, no fundo do meu ser, eu estava preocupada. Já conheço um pouco da cultura e sei que para os moçambicanos minha atitude não é muito bem aceita.
Já era noite quando ouvi que o pastor Gonçalves iria até a casa dos enlutados. Então decidi ir com ele. Ir à noite numa  zona, sem lanterna, é difícil. Eu andei feito uma "pata tonta", tentando firmar o pé no escuro sem saber onde pisava. Ia atrás do pastor que já conhecia. Assim, cumpri com meu dever e fiquei em paz. Até dormi em paz.

ESCOLA – São 12 classes (anos de escola) necessários para a entrada na Universidade. Caso queiram fazer o 13º ano, numa escola especializada, equivale a um adicional que os habilita para dar aulas (tipo técnico).  A desistência escolar é muito grande.
Vários fatores dificultam o ingresso e permanência na escola. O governo faz campanha de que todos estudem, mas não favorece o mesmo. Em vez de facilitar complica devido ao custo, e outros fatores como a burocracia e as formalidades.
Até a 7ª classe é a escola primária. A secundária começa na 8ª classe. Uma aluna da 8ª classe nos contou que são em 80 alunos numa sala. A professora não faz a chamada pelo nome, pois “perde” muito tempo. Ela apenas chama pelo número. Assim também durante a aula. Não se usa os nomes.
O sistema escolar é estilo “militar”. Isso se confirma no pensamento de que o professor sabe tudo e o aluno é apenas o receptáculo.
O uniforme é rigorosamente obrigatório, a ponto de não poder participar da aula quando falta alguma peça do mesmo. Ou quando a blusa está fora da saia, por exemplo. Uma aluna nos contou que leva uma gravata reserva na pasta, pois, nas aulas de ed.física, quando há troca de “uniforme”, muitas vezes alguma peça é roubada. Nesse caso, ela não pode participar da próxima aula.
Existia muita reprovação – “chumbar”. Mas a nova lei é que não pode reprovar, pelo menos até a 5ª classe. Por isso há tanto analfabetismo até essa classe. Colar na prova é “cabular”.

Um menino em Lamego, veio da escola com seu material em saco plástico (o que é comum). Observei que junto com os livros ele possuía um saco de farinha vazio. Perguntei-lhe o por quê, e ele me respondeu que é para sentar. A escola aparenta ser bem estruturada, uma construção grande da época dos portugueses, mas muito depredada. Muitas salas não tem “chão” (de barro) e nem carteiras. Por isso as crianças levam sacos para sentar em cima.

Os professores costumam bater nas mãos dos alunos com vara da árvore “acácia” ou “mangueira”.
Dona Mariana contou que quando era aluna e não “sabia nada”, o professor batia com a régua na cabeça.

Dia do Professor 12/10 – As crianças me contaram que “só os professores vão para a escola hoje. Eles ficam esperando as crianças levarem presentes pra eles. Alguns “mexem” na nota quando recebem “prenda”. Uma aluna comentou que os professores não estão interessados em abraços, mas nas prendas.

RITOS DE INICIAÇÃO: (Norte de Moçambique)
Os ritos de iniciação acontecem cada vez mais cedo porque os pais morrem cedo. Crianças de 8 anos de idade são introduzidas ao mundo sexual.
Os meninos são levados pelo pai, ou tio, ou outro da família para o mato, onde passa alguns dias. Ali é circuncidado (sem nenhuma higiene, à sangue frio), introduzido às “práticas dos homens”, como: sexo, bebidas, drogas. Geralmente, quando voltam para seus lares, estão doentes, desnutridos e alguns até chegam a morrer.
Meninas: são iniciadas pelas mulheres, mãe, tia, avó, iniciando com a exposição de seu corpinho. Ela desfila sem roupa para que as mulheres a vejam, e é introduzida na prática de “alargar os pequenos lábios” (vulva). Introdução de um “pênis de argila”. É uma masturbação forçada, mas que vira hábito até o casamento, e muitas vezes, depois dele.

DIA DA CRIANÇA (1º Junho)
Não há aula, mas os alunos vão até a escola festejar. Comem juntos, dançam, brincam e às vezes tem uma lembrancinha.
Petra escreveu: “Nesse dia eu faço um bom almoço de arroz e carne ou frango assado, (frango não é considerado carne) e batata frita. Eu canto e danço e festejo a festa”.
Os alunos levam seu almoço para a escola. Outra opção é levar dinheiro e a professora compra um lanche para todos.
Ano passado a Petra recebeu uma calculadora da professora. Mas só ela. Os outros colegas receberam outra coisa, mas ela não lembra o que foi. 
DIA DOS CONTINUADORES – 25/OUT.
É uma espécie de Dia da Criança, feriado na escola, onde é comemorado o dia dos heróis moçambicanos, lembrando que as crianças são os continuadores desses heroísmos. Em Maputo comemoraram no túmulo de um herói de guerra, onde milhares de crianças ouviram discursos e depositaram uma coroa de flores nos túmulos.

O QUE É EDUCAÇÃO EM MOÇAMBIQUE? Frases dos professores do IBS:
- Professor fala sozinho.
- Professor é autoridade que não pode ser contestada. Há uma tendência para romper isto, para que haja uma horizontalidade.
- Há pouca interatividade O professor planeja. O aluno não sabe o que vai acontecer amanhã.
- Aproveitam-se do respeito que lhe cabe para mostrar que são mais que os alunos. O respeito é bom, mas é exagerado.
- O professor retém o conhecimento – não quer transmitir. Ou transmite mas não viabiliza  a retenção da matéria (o aprendizado).
- Professor é chefe sobretudo.
- Professores esquecem que já foram alunos e não tentam melhorar o seu trabalho.

VELÓRIO – A morte de um ente querido é denominado como “infelicidade”. Não se fala: alguém morreu, ou faleceu. Se diz: aconteceu uma infelicidade. Normalmente o corpo é deixado num frigorífico do hospital, junto com uma montanha de corpos que são jogados ali dentro todos os dias.É necessário este processo para que os familiares consigam regularizar a papelada – para a liberação e o enterro. É complicado, com muita burocracia. Para evitar confusão de corpos, que já aconteceu muitas vezes e ainda acontece, eles amarram uma fita no pulso com o nome.
O velório começa desde a hora da notícia da morte, quando vizinhos, familiares, amigos, irmãos da igreja se revezam, ficando na casa sentado como sinal de condolência. As mulheres ficam sentadas em um recinto na esteira, e os homens em outro. Ou fora. É só sentar e não falar nada. Ás vezes chega alguém, como o pastor e faz uma oração. Alguns “alugam” carpideiras. Ás vezes o velório dura 2 a 3 dias, até que chega o corpo. O enterro então é rápido. Na casa mortuária cada velório e enterro leva 10 minutos. Assim acontece o dia inteiro, uma trás do outro.
"Fazer consolação" acontece antes do velório e enterro. Os mortos permanecem num frigorífico até a família juntar os papéis todos, que são muitos, pois a burocracia é grande. Precisa pagar bem também. Isso leva um tempo, às vezes dias. Nesse tempo os amigos, vizinhos, se juntam na casa dos familiares e ficam sentados, demonstrando que estão de luto. As mulheres geralmente dentro de casa, sentadas ou deitadas nas esteiras, e os homens, como sempre, sentados nas cadeiras fora - tudo com muito tempo e paciência. Assim, a "consolação" é para eles muito mais importante do que qualquer outra coisa. Todos os compromissos são cancelados, por mais importantes que sejam às vezes até um bom emprego é largado, com o risco de perder a vaga. Não importa.


REPETIÇÃO DE ATITUTDES  - Percebi que eles repetem ou copiam um do outro seu modo de agir e ser. Muitas coisas fazem parte da cultura, por exemplo, carregar o nenê na “keka”, ou a alimentação. O interessante é observar que fazem muitas coisas iguais. Do norte ao sul o carvão é empacotado da mesma maneira, sempre igual. As cadeiras, poltronas, e móveis em geral quer de bambu ou outro material, é sempre o mesmo estilo. As feiras vendem geralmente as mesmas coisas. As danças e músicas também sempre são semelhantes. 

LINGUAGEM – “Por favor” e “obrigado” não fazem parte do vocabulário das crianças, nem dos adultos. Quando querem algo, eles pedem: “Estou a pedir água”, “Estou a pedir pão”
Não usam o gerúndio: “estamos trabalhando”, mas usam: “estamos a trabalhar”, “Está a dizer”, etc... “Vânia, deitar água, cozinhar, fazer arrojo”. “Estou a dizer para si”, “Anda cá!” “Não sabe você?” “Está a negare!” (dizendo não).
- deitar fora – lançar fora.  
Coisas da cultura: não conseguem relatar algo resumidamente. Tudo precisa ser em detalhes. É uma cultura de relatórios detalhados.
Na linguagem não existe a palavra "honesto" e nem "Sabedoria". Expliquei que honesto "é não mafiar" e sabedoria eles explicam como "boas idéias”.
Para dizer que alguém me ama, é mais comum dizer: Ele aproximou de mim.
No Norte se pergunta: como vai? Resposta: Estou normal. Na região central: Como vai? Resposta: assim mesmo.
Rituais de cumprimento: Bom dia, como está? E a saúde? E lá em casa? E essa viagem?(perguntando pra onde está indo)

Mesmo sendo um país de fala portuguesa, somente 6% falam a língua oficial. Os demais falam os idiomas de suas respectivas tribos. Os mais falados: norte: macua, xona, maconde, e outros. Centro: sena e ndau, sul: xangana, xona, entre outros. São aproximadamente 30 dialetos no total. O português não é o mesmo que no Brasil. Há palavras que para eles não tem sentido nenhum, ou mesmo sentido diferente.
 Alguns exemplos:

Português do Brasil:
Nervoso
balcão
Pia
banheiro
Ônibus
Trem
Camisola
Camisa
Rabo ou mataco
Biquíni
Vitrine
Fila
Putinho
jeito
goleiro
legal
“ficou bonito”
Marcha ré
Freio
Venda de verduras
Cachaça
Funda (estilingue)

Português moçambicano
Apanhar nervo
Gabinete
Vaso sanitário
Casa de banho
Machibombo
Comboio
Camisa de homem
Camisola
Traseiro “bunda”
Queca
Montra
Bicha
menininho
marca de preservativo
guarda-rede
nice (naice)
“mereceu bem”
marcha trás
travão
Casa dos frescos
Nipa
fisga



CRENÇAS – Um homem apareceu num hospital e perceberam que ele respirava e soltava sons como um boi. É um feitiço que ele pegou por ter roubado um boi. Só podia curar se devolvesse o boi (passou na TV, no noticiário moçambicano).
Manoel em Nhamatanda falou que quem come papaia de dono, fica com a pele cheia de machucados em fora de papaia.

Povo "Ndau" - a missionária Cecília tem uma grande área onde planta mandioca e outras coisas. No meio do terreno tem um túmulo (uma cova com alguém enterrado). Os moradores tem muito medo dos "espíritos de mortos". Assim, não roubam nada da roça. É um meio de proteção.

Sacrifícios ainda são praticados. Geralmente através da morte de cabritos eles abrandam a fúria dos espíritos do antepassados.
Nos séculos passados e durante a guerra dos 10 anos, existia o sacrifício de bebês, que eram pilados como os grãos, no pilão.
Conhecemos uma senhora na igreja, que está nos seus 70 anos de idade. Ela está há 10 anos em estado de choque “catatônica” por que teve que pilar seu bebê.

No povo "Ndau", uma cabeça humana vale muito dinheiro. O feitiçeiro paga pela cabeça humana para fazer "trabalhos" contra alguém.

EXISTEM MUDANÇAS APÓS A CONVERSÃO?
É um processo lento. Mas existe. Relatos de missionários:
A primeira vez que passei por aqui (de moto), as crianças correram atrás de minha moto e cantavam “sa, sa, saricando...” (música da novela brasileira). Então eu pensei: coitadas, nem sabem o que estão cantando. É aqui que vou iniciar um trabalho com  elas, falando de Jesus. Hoje, quando passo por este mesmo local, elas vêm ao meu encontro cantando: Jesus é a luz do mundo. (Sueli da MIAF - Beira)

Quando iniciamos nosso ministério no bairro, as crianças eram briguentas e violentas. Hoje elas conhecem o perdão e se tornaram mais calmas. (Rute e Néia - Nampula)

Por ser um povo animista, há heranças dessa crença dentro das igrejas. Por exemplo o fato de agradar os espíritos, se mostra na igreja em querer agradar a Deus. Muitos frequentam os cultos para agradar a Deus (isso é muito forte), mas durante a semana não importa o que fazem, como vivem.