Histórias Africanas

A CONVERSÃO DO CURANDEIRO
Viagem 2013 
História real - com algumas adaptações

Seu Antonio ouviu com atenção. Será verdade, o que o Joaquim está dizendo? Nunca antes
ouvira falar de um Deus assim. Um Deus que sabe da minha existência e me ama? Apesar de toda maldade que eu já fiz? Se for verdade, preciso conhecer mais sobre ele.
Ei, Joaquim, como você sabe dessas coisas que você está me contando? – Perguntou Antonio.
Joaquim apontou para o livro que carregava em sua mão. Ele era um jovem que apareceu na aldeia do Seu Antonio porque queria casar uma das filhas dele. Na mãos ele segurava um livro de capa preta e falava de um Deus Criador de todas as coisas.
Seu Antonio era o chefe da aldeia. Ele era o sucessor de seu pai, e dele ele recebeu o poder para curar as pessoas doentes. Mas também fazia feitiços para quem era mau.  A feitiçaria ele sabia praticar muito bem. O pai lhe ensinou tudo e deixou alguns objetos para ele que já pertenciam a seus antepassados.
- Com isso aqui, filho – ele lhe disse antes de morrer – você poderá praticar o curandeirismo e a feitiçaria. Use-os para fazer o que é necessário para chefiar a aldeia.    
Os deuses que ele conhecia eram os espíritos dos antepassados. Isto é, as pessoas já mortas se manifestavam como espíritos e perseguiam os vivos em forma de fantasmas, na natureza, em tempestades, ventos, dependendo do que queriam transmitir. Às vezes se manifestavam em forma de doenças graves para mostrar sua indignação com a pessoa contagiada. Ou em forma de tempestade para avisar que alguém da aldeia cometeu algo muito grave. O curandeiro auxiliava quem lhe pedisse, mas ele exigia pagamento: podia ser um animal ou outras coisas de valor. Ele agia invocando os espíritos. Quando alguém estava doente, ele dava um chá e rezava aos espíritos. Ele sabia quando um espírito estava feliz ou zangado.



Agora seu Antonio estava intrigado, porque Joaquim veio com essa novidade. Na verdade ele vivia sem alegria e envolto em medo. Então, quando ouviu que existia um Deus que o amava e falava de uma vida eterna após a morte, ele ficou muito interessado.
- Me diga quem lhe contou sobre Deus, que eu também quero ouvir – falou o Seu Antonio para Joaquim.
Joaquim contou-lhe de um missionário que morava muito longe dali. Ele falou de Jesus e agora está estudando a Bíblia com muitos homens para prepará-los para serem pastores. Joaquim era um deles. Ele queria ser pastor. A filha de Seu Antonio já havia aceito a Jesus. E eles queriam casar.
Seu Antonio permitiu o casamento, mas queria que o missionário viesse à sua aldeia falar de Jesus.
Joaquim, então, avisou o missionário:
- O meu sogro Seu Antonio, está esperando por você! Ele mora na aldeia Jambe!
 A aldeia Jambe, porém, ficava muito distante e era de difícil acesso. Não havia nem estrada para lá. O missionário tinha muitas outras aldeias para atender. Não sobrava muito tempo para ele.
O tempo foi passando, mas Seu Antonio não desistiu. Ele queria conhecer esse Deus. Joaquim também foi morar longe, levando sua filha como esposa. Seu Antonio esperava a cada dia que o missionário aparecesse em sua aldeia.
Passaram-se 5 anos desde que Joaquim falou com o missionário. Então, chegou o dia que o missionário recebeu a visita de um grupo de ajudantes estrangeiros.
- Agora vou me aventurar e ir para a aldeia Jambe – pensou o missionário.   
A equipe se pôs a caminho. Com dois carros e um caminhão, o missionário levou sua esposa, mais duas missionárias e muitos ajudantes. A viagem levou muitas horas, quase 6 horas. O caminho foi difícil, com muito pó, galhos arranhando os carros, até chegar a um trecho que não havia estrada nenhuma. Então, os carros passaram pelas roças e por valos.
Antes da equipe chegar, um grupo de pessoas crentes da igreja de Joaquim foram até à aldeia aguardar o missionário. Joaquim já era papai e ele e sua esposa e o bebê também foram até lá.
Finalmente chegaram!  Que alegria para todos. Os crentes começaram a cantar, bater palmas e dançar enquanto o missionário e seus ajudantes desembarcaram. Logo foram bem recebidos. A alegria de Seu Antonio foi inexplicável. Ele falou: Agora eu sei que Deus existe!!! Foram 5 anos de espera! Cinco anos!!
Logo todos se sentaram e reuniram debaixo de uma grande árvore. Ali, Seu Antonio confessou a todos da aldeia, os crentes que vieram de visita e os não crentes, que ele quer seguir a Jesus. Ele chamou suas 3 esposas (é costume do povo ter mais de uma esposa). Chamou seus filhos também. Ele falou como Josué: Eu e a minha casa serviremos ao Senhor (Josué 24.15).
As crianças Luiza, Domingos, Cristina, Amélia e outras, sabiam o que papai estava fazendo. Elas ouviram as histórias de Jesus pela primeira vez.
O que fazer de agora em diante? Uma nova vida começaria nessa aldeia. Os objetos para os feitiços, passados de pai para filho, foram todos queimados. Agora, em lugar de um símbolo de feitiçaria preso na grande árvore, foi colocada uma cruz. Debaixo da grande árvore, em vez de práticas de feitiçaria, agora acontecia o culto. No total 16 vida foram salvas para a Vida Eterna.       



RADJI E JULIO
Christel Grigull
Ficção - Baseada em lugares reais, incluindo fatos culturais de uma família moçambicana e uma família brasileira.
Considerações: Esta história foi escrita para crianças em idade escolar, para ser contada em EBFs ou retiros. É uma comparação entre duas culturas diferentes, com o objetivo de mobilizar crianças para a obra missionária.

CAPÍTULO 1: UMA GRANDE RESPONSABILIDADE
JULIO - Você conhece o Julio?
- Ih, cara, conheço, sim! É aquele bagunceiro que deixa a professora nervosa?
- Esse mesmo! Ele veio pra minha sala este ano.
Caio e Vitor estavam conversando acerca do amigo e nem perceberam que ele estava chegando perto deles.
- Ei, vocês querem jogar comigo? – Júlio lhes perguntou exibindo uma bola de futebol de couro, de boa marca.
Os meninos aceitaram jogar com ele, e logo estavam se divertindo. Mas, não demorou muito, deu briga... Julio mandava no jogo e eles não gostaram disso. O futebol acabou, e Julio estava nervoso. Ele gritou com Caio e Vitor, chamando alguns palavrões.
A professora, ouvindo isso chamou Julio e disse nervosa: Vou lhe dar um castigo porque você falou palavrões!!!!
Julio ficou meia hora sentado no banco sem brincar. Todos os dias essa cena se repetia. Por que fazia isso? Ele não sabia...

À noite, antes de dormir, seu pai sempre lia um pouco da Bíblia para Julio e sua irmã, Ana. Após a leitura da Bíblia, seu pai falou:
- Hoje tenho uma outra história muito legal para ler - Papai pegou um livro que tinha na capa um menino negro, muito magro, com uma bola feita de papel, plástico e barbante..
Julio e Ana gostavam de ouvir histórias, principalmente porque podiam sentar pertinho do papai e mamãe no sofá ou na cama. Estavam curiosos.

- Esse menino e menina são Radji e Latifa – eles moram na África, no país de Moçambique. – explicou papai.
- Onde fica a África papai? – Perguntou Ana
- Fica aqui (mostra no Mapa Moçambique)

- Vamos ver como as pessoas vivem em certos lugares de  Moçambique?
O pai leu:

RADJI - Depressa, Radji, venha! Seu papá está muito mal!
Latifa veio chamar seu irmão. Ele correu o quanto pôde, pois sabia que a cada momento papá podia morrer. Radji entrou na palhota e segurou a mão de papá, que estava deitado na esteira.

- Filho – falou o pai com voz baixa – tu ainda és um miúdo, mas a partir de hoje tu serás um homem e terás que ser forte. Vou partir e tu cuidarás de mamá, de Latifa e do nenê.
Radji olhou à sua volta. O bebê havia nascido há 15 dias, ele nem tinha nome ainda. Um frio passou pelo corpo de Radji. Como ele poderia tomar conta da família? Ele só tinha 11 anos. Enquanto pensava, ele percebeu que a mão de papá soltou da dele. Ele morreu.

Muito triste Radji saiu da *palhota (*uma casinha feita de barro e com telhado de palha) e correu pela aldeia. Ele precisava pensar....
Lembrou que há apenas um mês atrás, papá e ele viajaram de *chapa (*tipo vã que faz viagens de trechos curtos) até a grande cidade Beira. Era o dia do seu aniversário. Papá o levou à feira, e lá beberam um refrigerante. Foi um grande presente de aniversário. Mas papá já estava doente há muito tempo, e logo depois ele piorou. E agora... agora, ele teria que tomar conta da família, sem seu papá.
Somente à noite Radji voltou para sua casa. Muitas pessoas estavam lá: vizinhos, parentes e amigos. Eles permaneceram ali sentados nas esteiras com a mamá de Radji, para consolá-la.
Após o enterro, o curandeiro veio até a palhota e ficou um tempo ali conversando com mamá. Eles acreditavam que após a morte de alguém, os maus espíritos ficavam aí dentro da casa. Por isso ele veio para “tirar“ da casa os maus espíritos. Radji não gostava dele. Ele tinha uma cara “feia”.

Quando todas as cerimônias passaram, Radji e Latifa puderam voltar à escola. Radji freqüentava a 4ª *classe (*série) e Latifa a 1ª. Radji arrumou seu material: um livro e um pequeno caderno. O livro estava sujo, sem capa e cheio de orelhas de burro, já havia sido usado por muitos alunos antes dele. O material sujava facilmente por causa do pó. Radji colocou o material na bolsa de tecido, e a pendurou em seu ombro. Ah, e não podia esquecer do saco vazio. Por que um saco vazio? Era a sua “carteira”, para sentar no chão. Na sua sala só havia lugar para 50 alunos nas carteiras feitas de troncos amarrados uns aos outros. Mas, eles eram em 60. Então alguns precisavam sentar no chão. Às vezes suas aulas eram debaixo de uma árvore.
O pequeno vilarejo onde a família de Radji morava se chamava Nhamatanda. Era rodeado por muitos vizinhos, que também moravam em palhotas. Havia também plantações de mandioca e muitos mamoeiros e árvores que dão *maçanicas (*mini-maçãs do tamanho de uma clica).

No caminho para a escola Radji e Latifa encontravam muitos amigos. Eles iam conversando, brincando um pouco, até caminhar os 7 Km para chegar à escola. Em tempo de seca, eles atravessavam o rio a pé, pois ele estava quase seco. Escorregavam o barranco abaixo, era muito divertido. Lá embaixo havia somente um pequeno riacho. Ali eles refrescavam seus pés. Em tempo de chuva esse pequeno riacho enchia tanto que se tornava um grande rio. Nesse tempo eles não iam para a escola, pois se tornava impossível atravessar o rio sem barco. Muitos moradores se mudavam para o outro lado do rio para não ficarem isolados no tempo de chuva.

- Vamos comer papaia? – sugeriu a amiga Zinha.
- É melhor não apanhar essas aqui – respondeu Radji apontando para as árvores mais próximas – nesse lugar, elas pertencem ao senhor Manoel. Ele enfeitiçou as papaias.
- Aah, e daí? Nada vai acontecer – Zinha pegou um pau bem longo e bateu contra as papaias.
Mauro gritou para não pegar, mas a papaia já havia se espatifado no chão. Zinha ajuntou um pedaço e enfiou tudinho na boca.
- Não se preocupem – disse Zinha tranqüila mastigando a papaia - lá na igreja o pastor falou que Deus é mais forte que a feitiçaria. E eu sempre falo com Deus.
Ninguém prestou muita atenção no que Zinha estava falando. O medo tomou conta deles deixando-os petrificados. 
- Vou ficar aqui vendo o que acontece – falou Mauro – pois certa vez alguém comeu das papaias do Seu Manoel, e ficou com a pele cheia de feridas vermelhas em forma de papaia.
Zinha riu e disse que não era verdade. Mas Radji e Latifa ficaram com medo. Eles acreditavam que o feiticeiro tinha poderes especiais. Então Radji puxou Latifa pela mão e saiu caminhando depressa.

Papai fechou o livro:

JULIO -- Hora de dormir, já é tarde. Mas antes vamos fazer uma oração.
- Papai, qual era a doença do pai de Radji? – Perguntou Julio
- É uma doença muito grave, causada por um vírus chamado HIV. Aqui no Brasil falamos “AIDS”, mas em Moçambique falam “SIDA” Milhares de pessoas  morrem dessa doença na África.
- Ih, pai, a Ana já esta dormindo. Ela não consegue mais orar - observou Julio que estava bem acordado. O pai orou e pediu se ele também queria orar. Um pouco sem graça Julio negou, pois lembrou que falou muitas coisas feias na escola. Antes de adormecer, porém, falou baixinho com Jesus e pediu perdão. Ele ainda queria pedir por um “play station” para o aniversário que estava próximo, mas ficou com vergonha. Assim, adormeceu. Naquela noite sonhou que ganhou somente um refrigerante de presente de aniversário, como Radji. Para Julio isso foi um pesadelo.

CAPÍTULO 2: O DESAPARECIMENTO
JULIO - - Ana e Julio gostaram da história de RADJI. Na noite seguinte se aninharam pertinho do pai para ouvir a continuação:
- Pai, será que o feiticeiro podia fazer mal para a Zinha? – Perguntou Ana.
- Às vezes, os feiticeiros fazem mal, sim. Mas não para quem vive com Jesus - respondeu o papai - muitas pessoas vivem com medo do feiticeiro em Moçambique, e também em outros países do continente africano. Por isso eles precisam conhecer Deus, que pode libertá-los. Vamos ver o que aconteceu. 

RADJI - Você viu Zinha? – Perguntou Mauro a Radji na escola. As aulas já haviam começado, mas Zinha não havia aparecido.
- Pensei que ela estivesse com você – falou Radji.
- Ah, não. Eu fui embora. Não queria ver uma menina enfeitiçada. Na certa ela pegou aquelas feridas em forma de papaia.
Enquanto conversavam, ouviram uma voz vinda atrás deles:
- Acharam que eu estivesse enfeitiçada? Não, vejam... nem sinal. Vocês me *aldrabaram (*enganaram) – falou Zinha rindo - Eu me atrasei porque pisei num espinho e machuquei meu pé.
- Chiii, é a maldição! – gritou Mauro e saiu correndo.
- Não é não! Radji, você não vai correr também, vai? – Perguntou Zinha olhando assustada para ele. Mas Radji também tinha muito medo. Ele não queria nem ver o machucado da amiga.  
As crianças sentiam muito medo dessas coisas. Por isso, nos próximos dias, Mauro, Radji e Latifa ficavam longe de Zinha e não queriam mais caminhar com ela até a escola. Zinha já era uma menina maior. Ela freqüentava a 8ª classe.

Certo dia, em casa, na volta da escola, a mamá os aguardava:
- Radji, vamos fazer a festa do bebê logo, pois preciso sair daqui para trabalhar.
A festa do nenê é uma cerimônia conhecida como *chiçassa (*cerimônia de apresentação do bebê à sociedade). Até então o bebê não havia saído de dentro da palhota. Radji matou algumas galinhas que corriam pelo terreno, e mamãe preparou o *Maheu (*bebida que não pode faltar em festas. É feita de farinha fermentada com água e açúcar). As crianças gostavam dessa bebida.

Muitos vizinhos, parentes e amigos chegaram para a festa. Mas só as mulheres podiam entrar na casa. Os homens ficaram fora esperando e bebendo cerveja. O curandeiro também foi convidado para participar da cerimônia. Após um bom banho, para “lavar” os maus espíritos do seu corpo, o nenê foi levado para fora vestido com roupas novas. Todos se alegraram, dançaram e comeram. Foi um momento muito feliz.  Neste dia também é dado o nome ao bebê. O tio de Radji lhe deu o seu nome: Antonio. A pessoa que dá o nome se torna uma espécie de padrinho. Em casa o bebê era chamado de Antoninho.
Radji se assustou quando viu Zinha chegando para a cerimônia com sua mamá e irmãos.
- Como vai? – Zinha cumprimentou alegre.
Radji sentiu um calafrio. Ele próprio não queria sentir isso, mas o medo estava presente nele dia-a-dia. Talvez Zinha tivesse razão em dizer que Deus é mais poderoso que a feitiçaria. Mas papá nunca lhe falou sobre isso. Ele nem ao menos acreditava em Deus. Ele sempre lhe ensinou que devia respeitar e temer o feiticeiro.
- Tenho que vencer esse medo! – pensou Radji - pois papá me pediu para cuidar da família. Como posso fazer isso com medo?
Radji tentou ser gentil com Zinha durante a festa. Até lhe ofereceu maheu para beber. Aos poucos foi ficando mais alegre e pensou: estou ficando corajoso! Papá ia gostar de ver.     

O tempo passou e mamá estava preocupada com a comida. Estava acabando tudo. Não havia mais galinhas no terreiro, nem grãos, nem peixe seco, só algumas poucas papaias. A cada dia eles comiam menos.

Certa manhã, Radji acordou assustado:
- Onde está mamá?Latifaaaaa, acorde, você viu mamá?
Latifa mal conseguiu abrir os olhos. Radji correu para o berço e encontrou Antoninho dormindo. Com certeza mamá foi buscar água. Tudo bem.... pensou Radji. Vou esperar. Ele acendeu o fogo no fogãozinho a carvão. As horas iam passando e o fogo apagou... mamá não apareceu. Latifa pegou o Antoninho que chorava e o amarrou nas costas. Ele já estava com 4 meses.

- Não podemos ir para a escola – falou Radji.
Então começou a preparar o *mata-bicho (*primeira refeição do dia). 
Radji e Latifa comeram e depois decidiram caminhar até o poço e buscar água. O nenê chorava de fome, mas só a mamá poderia lhe dar de mamar. Radji perguntou sobre mamá  para os vizinhos. Ninguém sabia de nada.
- Será que a mamá os deixou, para que ele tomasse conta da família? Não, não pode ser... – pensou Radji. Seus pensamentos iam longe – E se algo aconteceu à mamá?
Radji e Latifa tentaram não pensar e começaram a brincar. Brincaram de *banana-banana (*pega-pega). O dia foi passando e chegou a noite. Mamá ainda não havia aparecido. Radji precisava fazer alguma coisa. Não havia mais muita comida. E Antoninho, o que fazer com ele? Ele tinha muita fome. Radji preparou água com um pouco de farinha e deu de comer a Antoninho. Ele não gostou muito e ficou chorando. Os dois fecharam seus ouvidos, e por um bom tempo ele ainda continuou chorando. Depois, finalmente adormeceu. Radji e Latifa estenderam suas esteiras e se deitaram. Latifa adormeceu logo, mas Radji não conseguiu dormir. Ele ficou pensando em algo que pudesse fazer no outro dia.    

JULIO –  Após a história, naquela noite, Julio pensou sobre muitas coisas. Na sua escola...ele não precisava andar a pé até lá... ele ia de ônibus e às vezes a mamãe o buscava.
Ana lembrou de seus pais: eles tinham pais que se importavam com eles. Será que agora Radji também perdeu a mãe? Ele era apenas um menino, da idade de Julio.
Baixinho Ana orou agradecendo por  seus pais.

   CAPÍTULO 3 – UM LADRÃO!  
JULIO  - Pai, que língua as pessoas falam em Moçambique? – perguntou Julio.
- É o  português. Mas em todo o continente africano existem 2.110 línguas – respondeu o pai.
- Nossa, você sabe quais são, papai?
- Não filho, iríamos ficar até amanhã aqui se eu soubesse o nome de todas elas. Mas sei algumas: o Português é falado em 5 países: Angola, Moçambique, Guiné Bissau, S.Tomé e Príncipe e Cabo Verde. Outras: inglês, francês, árabe e muitos dialetos. No país onde mora o Radji, em Moçambique, existem 36 outras línguas, fora o português. Algumas são: Xona,  Xangana, Sena, Ndau, etc...
Papai estive pensando: se há tantas línguas na África... só em Moçambique tem um monte! Será que tem Bíblia em todas essas línguas?
- Não, filho – respondeu papai - infelizmente não. Precisa ter muita gente para traduzir a Bíblia... pelo menos deveriam traduzir em 297 línguas.
- Nossa isso é muito, né? – interrompeu Ana – É quase infinito.
- Você não faz idéia de quanto é, Ana. Não é infinito, mas é muito – falou Julio.
- Mas sabem, muitos missionários são chamados para irem viver na África e traduzir a Bíblia para a linguagem de um povo. É um trabalho difícil e leva muitos anos: 10 anos ou até mais..
- Eles ficam lá durante todos esses anos? – Perguntou Ana.
- Sim Ana, e muitas vezes os filhos nascem na África e crescem ali.
- E eles são tristes ali, papai?
- Acho que nem sempre filha. Talvez mais felizes que nós.
- Podemos escrever uma carta para eles, papai?
- É claro!
- Pai, vamos continuar a história?- interrompeu Julio - Estou curioso!
    
RADJI - Radji ainda não estava dormindo, quando ouviu um barulho ao redor da casa. Devem ser as galinhas – pensou. Não demorou muito ele viu uma sombra na porta. Alguém entrou na palhota. Radji se assustou. Ele se encolheu em sua esteira e seu coração disparou de medo. Foi então que ele viu uma pessoa. Era um homem grandalhão.
- É um ladrão, aiai, é um ladrão! – pensou, tremendo por todo o corpo. Radji observou que o ladrão não tinha nada em suas mãos. Normalmente eles estão armados com uma *catana (*uma espécie de facão). Então, já que ele não estava armado, Radji se encheu de coragem, levantou da esteira e, na ponta dos pés, foi até o berço do irmãozinho para protegê-lo. Latifa estava dormindo. O homem viu Radji se mexendo e falou:
- Ei, você! Você é Radji???
Radji estremeceu e não conseguiu falar nada. Ele ficou em silêncio. O homem se aproximou:
- Eu sou seu tio, Antonio. Sua mamá me mandou cá para dar um recado.
- M...mamá??

 Radji ficou mais tranqüilo e foi procurar uma luz. Ele ligou a lamparina de querosene e a colocou na direção de Antonio. Sim, era ele. Antonio sentou-se na esteira. Radji logo notou que estava bêbado.
- O *machibombo avariou (*o ônibus quebrou) no caminho, e eu não consegui chegar mais cedo. Vim trazer um recado de sua mamá – falou com voz rouca.
Radji permaneceu em pé, encarando o tio. Ele não conhecia muito bem esse tio. Só o tinha visto no dia da festa do Chiçassa. E se ele tivesse intenção de fazer algum mal a eles?
Antonio continuou:
- Sua mamá saiu para a *machamba (*roça) para tentar tirar algum alimento para vocês. Seu pai tinha uma machamba lá em *Chimoio (*capital de outro Estado) onde plantou mandioca. Mas foi tudo roubado. Então sua mamá começou a plantar. Ela não queria ficar o dia todo, só que não conseguiu voltar a tempo. É longe e o *bilhete (*passagem) é caro. Como eu precisei vir cá a negócios, ela me pediu que levasse este recado. Aqui tem um pouco de comida.
Tio Antonio apontou para a sacola que havia trazido. Ali tinha um pouco de farinha de mandioca, leite e bananas.
- Amanhã vou leva-los ao vovô. Ele há de cuidar de vocês – continuou o tio..
Radji ficou sem saber o que dizer. Ele ficou feliz que sua mãe estava bem, mas assustado com a idéia de ficarem na casa do vovô. Vovô morava em outro lugar, e era conhecido como curandeiro.   
O tio pediu para dormir na esteira naquela noite. Não demorou muito ele estava  roncando num sono profundo. Radji permaneceu acordado pensando em tudo que o tio falou. Foi então que tomou uma decisão radical. Ele precisava agir rapidamente. Na ponta dos pés ele foi acordar sua irmã:  
- Pssst! Não fale nada. Depressa! – cochichou – pegue algumas coisas suas, vamos partir antes que o tio acorde.
- M...mas, para onde vamos? Perguntou Latifa ainda sonolenta.
-  Psst, fale mais baixo! Vamos ao encontro da mamá! Rápido, arrume suas coisas.  
Latifa animou-se. Rapidamente arrumou suas poucas roupas, uma velha boneca na qual faltava uma perna, um par de chinelos, e amarrou tudo em uma *capulana (*pedaço de tecido de 1,60 cm, que as moçambicanas usam como saia). Radji também pegou algumas roupas, um par de tênis velho e sua bola. Depois tirou as bananas da sacola e colocou leite na mamadeira de Antoninho. Radji viu que no bolso da camisa do tio havia dinheiro. Estava quase caindo fora. Em silêncio e devagar ele puxou o dinheiro para fora do bolso e se afastou. O tio continuou em sono profundo. Após muitos copos de cerveja, era difícil acordar – Pensou Radji..

Radji amarrou Antoninho em suas costas, puxou sua irmã pelo braço e rapidamente saíram  da  palhota.
- Vamos, Latifa, temos que andar rápido, antes que nosso tio acorde.
Eles andaram o mais rápido que podiam durante a madrugada. Tudo estava escuro, e, pelo jeito, ninguém dos vizinhos os viu. Latifa chorou baixinho, ela estava com medo. Radji também estava com medo, mas o medo de encontrar seu avô curandeiro era maior do que andar no perigo da escuridão. Lembrou que seu pai pediu que ele cuidasse da família, e assim, achava que estava fazendo o que é certo. Eles caminhavam rapidamente sem se preocupar onde estavam pisando: lama, pedras, buracos, lixo.


JULIO - - Enquanto Julio ouvia a história,  ficou analisando os seus desejos. Ele só pensava em ganhar o “play station”. Outra coisa ele não tinha pra se preocupar. Ainda assim, ficava fazendo coisas erradas na escola. Por que ele não conseguia ficar sem falar palavrões? Será que Radji falava palavrões?
Julio decidiu ser diferente na escola. Naquela noite ele orou pedindo que Jesus o ajudasse.

4º CAPÍTULO – CAMINHADA PERIGOSA
JULIO –- Julio estava todo “quebrado” – ele levou uma canelada no jogo. A mamãe preparou numa bacia água morna com remédio. Julio teve que ficar quieto com seu pé dentro da água. Doía muito. Mas ficou feliz quando papai começou a ler a história.

RADJI - Radji e Latifa corriam grande perigo andando sozinhos no escuro. Naquela região havia muitas pessoas que faziam maldades.
Mas eles não podiam pensar nisso. A cada passo que Radji dava, aumentava seu medo. Ele precisava ser forte e corajoso. Da sua casa até o centro da cidade precisavam caminhar 8 Km. Será que Latifa iria agüentar? Se ao menos tivesse alguém que os ajudasse. Radji sabia que existia um Deus, mas não sabia bem se ele poderia ajudá-los. Ele lembrou que Zinha havia dito que Deus ouve tudo e vê tudo.
Talvez possa falar com ele, será que ele me ouve?
Após algum tempo de caminhada, Latifa choramingou:
- Estou cansada, Radji! Vamos parar um pouco!
- Estás louca? Não podemos. Temos que andar mais um pouco, antes de amanhecer. Ninguém pode nos ver aqui! Vamos!
Radji teve que diminuir o ritmo. Assim continuaram. O dia foi amanhecendo, e as pessoas saíam de suas casinhas para o trabalho. Algumas passaram pelas crianças, mas somente as cumprimentaram:
- *Maitcherua! – (*Como estás? Cumprimento para “bom-dia” na língua Sena)
- *Daitcherua penumbo ine! –(* Estamos bem – em resposta ao cumprimento)
Um senhor que os conhecia parou sua bicicleta e perguntou:
- Vocês vão à escola? Mas a escola é para o outro lado!
- Estamos indo fazer compras na cidade! – respondeu Radji, mentindo.
- Xiii, mas coitada dessa * gaja... ela está cansada – continuou o homem olhando para Latifa (*gaja é semelhante à “guria”) – Eu a levo na garupa da bicicleta. Sobe cá! –

Rapidamente o homem a levantou e colocou em sua bicicleta. Radji não queria isso,  mas Latifa não pensou duas vezes e, alegremente, se acomodou na garupa. Assim, após quase 3 horas de caminhada, eles chegaram ao centro da vila Nhamatanda. O homem os acompanhou bondosamente, e antes de entrar na cidade, Radji pediu para deixá-los ali, pois estava próximo da casa de parentes (mentindo). O homem fez algumas perguntas e Radji mentiu na resposta a todas elas. Quando o homem finalmente foi embora, Radji puxou sua irmã e rapidamente atravessaram a pista asfaltada. Do outro lado havia um estacionamento de chapas. 
Radji era um menino criativo em mentiras. Ele pediu ao motorista do chapa para levá-los até Chimoio – lá sua mãe os estaria aguardando. O motorista olhou com desprezo para Radji, e soprou uma nuvem de fumaça de cigarro no seu rosto.
- Vá embora menino! Você está-me *aldrabando! (*enganando, passando a conversa)
Radji então mostrou o dinheiro que ele havia roubado do tio. Eram 200 *meticais (moeda moçambicana = 8 dólares aproximadamente).  A viagem à Chimoio custava 150 meticais por pessoa.
- Por favor, senhor, leve-nos. Somos apenas crianças e ocupamos menos espaço! Precisamos encontrar mamá! 
- Está bem! Entrem!! – Falou o motorista nervoso.

Radji não se conteve de tanta alegria. Ele puxou a irmãzinha pelo braço e se enfiou entre os passageiros. Estes reclamaram por causa do aperto. Mas Radji não se importou. Ele colocou Antoninho e a irmã em seu colo. Os embrulhos com as coisas ficaram nos seus pés. Uma senhora do seu lado teve pena das crianças e se ofereceu para segurar Antoninho no colo. Radji ficou aliviado. Durante a viagem ele tirou as bananas do embrulho, ficou com uma e deu uma para sua irmã e uma para Antoninho, que ficou lambendo na banana. Radji notou que os passageiros olhavam para eles. Então distribuiu todas as bananas. Ninguém recusou. O resto do leite da mamadeira, Radji deu para Antoninho. 

A viagem durou duas horas e meia, quando finalmente chegaram á Chimoio, Os passageiros observavam as crianças. Radji não queria que seu plano fosse descoberto. Eles desembarcaram e saíram apressados, como se já soubessem para onde ir, mas na verdade, não sabiam o que fazer. Eles sentaram no banco de uma praça da cidade. 

JÚLIO-
- Se essas crianças soubessem, poderiam procurar uma igreja e pedir ajuda – comentou a mamãe, enquanto o pai fechava o livro.
- Mas eles não conheciam nenhuma igreja. Eles não eram nem cristãos – respondeu papai.
- pai, o que eles eram então? Eles não tinham nenhum deus? – perguntou Julio.
- Eles provavelmente eram “animistas”...pessoas  que tem como deuses a natureza, o sol, a lua, a magia, os espíritos, a feitiçaria, e coisas assim... – explicou o pai.
- Será que não havia um missionário ali perto para falar com eles e dizer que estão errados? – perguntou Ana bocejando.
- Sim, filha – respondeu a mãe – é o que eles estão fazendo. Mas não é tão fácil e rápido assim, pois são poucos.
- Crianças, está na hora de dormir.Antes vamos orar pelos missionários que estão em Moçambique? – interrompeu papai.
- Sim, sim, quem será hoje? – Perguntou Ana animada.
Ana pegou a caixinha de oração e retirou uma ficha onde havia o nome de um missionário, pelo qual oraram.
- Bom, vamos dormir – papai apagou a luz - amanhã tem mais.
Mas uma vozinha abafada debaixo do cobertor falou:
- Estou com medo papai!
Papai se inclinou na cama de Ana e perguntou:
- Medo de que filha?
- Será que alguma maldição pode vir à nossa casa? Outro dia sonhei que um monstro me seguiu.
- Não filha, Jesus prometeu que seus anjos ficam acampados ao redor de nossa casa e nos guardam.
- Ah, será que eles não poderiam guardar as muitas crianças na África, que são perseguidas por outros deuses?
- Sim querida, eles podem. Mas muitas não sabem disso. Por isso nós oramos para que Deus envie mais missionários para falar do amor de Jesus.

CAPÍTULO 5 – O ENCONTRO  
JULIO –  - Pai, o Radji e a Latifa existem mesmo? – Perguntou Julio antes de iniciarem o próximo capítulo. O pai pensou um pouco e respondeu:
- Sabe a história é uma ficção, mas a vida, a cultura e as crenças são verdadeiras. Foi escrita por alguém que deseja que as crianças percebam a necessidade de que muitas crianças na África tem de conhecer a Jesus.
- É que... eu estava pensando... talvez um dia eu também possa ir até lá onde Radji vive, para falar de Jesus às crianças.
- Mas então você precisa aprender a não falar mais palavras feias – interrompeu Ana.
Julio ficou irado e ia responder para a irmã, mas o pai apaziguou a briga: - Calma! Nada de briga. É verdade o que Ana falou. Mesmo assim, fico feliz pelo desejo de Júlio. Talvez Deus esteja colocando no coração dele essa vontade.
- Ele vai a Moçambique??? – Perguntou Ana.
- É claro que não agora, filha. Mas quem sabe no futuro. Saibam que não é preciso ir a Moçambique. Vocês podem ser missionários aqui, na escola. Júlio, se você quer ser um missionário, comece hoje, mostrando a seus colegas que vale a pena seguir a Jesus. Ele pode ajudá-lo a não falar mais palavrões.
Júlio ficou pensativo. Seria muito difícil para ele. Então papai continuou a leitura da história.

RADJI
Infelizmente Radji não sabia que Deus poderia ajudá-lo em sua aflição. Ele e Latifa passaram alguns dias morando no banco da praça. De noite, eles se deitavam debaixo de algum telhado nas calçadas da cidade, e, de dia, voltavam ao banco. O pequeno Antonio chorava muito. Radji sempre conseguia uma esmola, algo para comer. Chegou até a roubar. Algumas pessoas ficaram com muita pena, mas não fizeram nada. Até que um dia, um homem chegou até eles e disse:
- Vocês, entrem no carro!
Radji e Latifa se assustaram e queriam fugir. O homem os segurou pelos braços e falou num tom mais suave:
- Não tenham medo. Vou levá-los para um lugar onde tem comida e cama. Vamos!! O homem colocou Radji no carro, depois pegou Latifa e Antoninho. Radji tentou fugir, mas o homem o segurou e o colocou de volta com segurança.
- Garoto burro!  - falou bravo - Vou levá-los para um lugar bom. Se não obedecer, chamarei a polícia. Radji estremeceu. “Polícia” era uma palavra que lhe dava arrepios. Então obedeceu. O carro rodou pela cidade.

Até que parou numa casa muito grande. Uma senhora muito branca veio atendê-los. Ela agradeceu ao motorista, abriu a porta e recebeu as três crianças com um sorriso. Venham comigo! – Ela falou carinhosamente.
Radji descobriu que o motorista era da polícia e que a casa onde foram levados era um orfanato. Ele não sabia o que era “orfanato”, mas parecia um bom lugar. A senhora branca cuidava das crianças e era chamada de mamá Lydia. Latifa foi dormir com as meninas, Radji com os meninos e Antoninho foi levado para um quarto especial, perto de mamá Lydia. Naquela casa havia 60 crianças. No dormitório masculino havia 34 meninos. O tio Samo tomava conta deles. Ele era um pouco parecido com o tio Antonio. Radji logo gostou muito dele, pois era muito bondoso. No quarto de Latifa havia 26 meninas. Ela logo fez amizade com as mais velhas e com as “tias” que tomavam conta delas.
Após uma boa noite de sono, mamá Lydia levou Radji e Latifa para sua sala, fechou a porta e pediu que eles lhe contassem tudo sobre sua vida. Radji sentiu muita confiança e não escondeu nada. Contou toda a sua história, sem mentiras.
Mamá Lydia decidiu ir à procura da mamá de Radji. Ela contratou alguns homens da polícia e amigos para ajudá-la.
Radji e Latifa ficaram muito bem guardados no orfanato. Eles estavam felizes, mesmo assim, sentiam saudades de sua mamá.
Lá no orfanato, pela primeira vez, eles ouviram histórias sobre Deus. Radji ouvia atentamente, pois tinha muita curiosidade. As historias de Deus eram tiradas de um livro de capa preta. Radji achava que este livro era somente para os brancos. Mas ele via Tio Samo ler nele todos os dias. Numa noite antes de dormir, tio Samo falou que se alguém estivesse com medo de alguma coisa, ou cometido algum pecado, poderia falar com Jesus em oração. Jesus daria paz ao coração. Radji lembrou que ele tinha muito medo de não encontrar a mamá, medo que o tio os encontrasse e levasse à casa de vovô, medo de feitiçaria, e, bem, ele também lembrou de outras coisas erradas que fez: mentiras, roubos e muito mais... Então fez uma oração baixinho. Ele fechou os olhos e ficou sentado em sua cama. Os outros meninos já haviam se deitado. Radji continuou conversando com Jesus.

Tio Samo aproximou-se dele e sentou ao seu lado.  Radji perguntou:
Tio Samo, eu também quero viver com Jesus. Preciso da ajuda Dele para cuidar da minha família. Eu prometi ao meu papá.
Tio Samo orou com Radji e ele entregou sua vida a Jesus.

Após um mês no orfanato veio uma boa notícia. Mamá Lydia entrou na sala de aula do orfanato, onde Radji estava estudando, e falou em alta voz:
-  Encontramos a mamá de Radji e seus irmãos
As crianças na sala levantaram e começaram a pular. A professora não conseguiu mais a sua atenção.

A senhora Mariana, mamá das crianças, foi encontrada através de uma amiga que encontrou um folheto na cidade. Eram folhetos com a foto das três crianças, distribuídas em toda a cidade, inclusive nas machambas. Mariana os reconheceu e foi à procura do orfanato.  

Mamá Lydia perguntou a ela porque deixou seus filhos. Mamá Mariana começou a chorar e falava entre lágrimas:
- Eu não tinha nada em casa para dar de comer. Eu precisava trabalhar. Não havia dinheiro, nada. Eu pedi que meu irmão Antonio cuidasse deles até eu voltar. Mas eles foram embora. Eu amo meus filhos, quero cuidar bem deles.
Mamá Lydia ficou comovida. Então ela buscou os três, e eles se abraçaram. Todos choraram de emoção.
 - Mamá, eu tentei cuidar da família, como papá pediu- disse Radji entre lágrimas.
- E você conseguiu – Falou mamá Lydia.
A mamá Mariana também concordou.

Mamá Mariana permaneceu alguns dias no orfanato. Foram dias maravilhosos. Mas chegou a hora da partida e da decisão do que fazer. Mamá Lydia sugeriu que as crianças ficassem por mais algum tempo até a mamá conseguir alimento e trabalho. Foi o que aconteceu. Após um ano, mamá Mariana buscou seus filhos e voltaram para sua casinha. Ela conseguiu um trabalho numa casa e sustentou seus filhos. Radji continuou seus estudos e fazia todo o trabalho de casa, cuidando dos irmãos. Ele falou de Jesus para sua mamá, e ela também o aceitou em sua vida e coração. Radji cresceu e se tornou adulto. Sabem onde ele foi trabalhar? No orfanato.

JULIO - - Julio também cresceu. Desde que ouviu a história de Radji ele teve um grande desejo: de um dia ir para a África e falar de Jesus às crianças que passam tanto medo. E assim aconteceu. Ele se tornou um missionário e foi para Moçambique. Sabem onde ele foi trabalhar? No orfanato. 


JOANA

UMA HISTÓRIA MOÇAMBICANA
Christel Grigull

Ficção - Baseada em fatos reais do dia-a-dia de uma família moçambicana que habita em uma aldeia (chamadas de distritos, ou zonas nas grandes cidades).

- Joana, levante! Vamos, já são 5.30 h da manhã!
- Já? Chiiissa, já tem sol.
Joana se espreguiça, levanta de sua esteira, e pega seu bidão amarelo. Antes, porém, vai olhar a caixa com seu cãozinho, Risca.
- Tchau cãozinho, volto daqui a nada!  

Com o bidão na cabeça, Joana corre para alcançar a mamá. Mamá anda rápido, carregando sua irmãzinha mais nova nas costas, na keka.
Lá no poço tem muita gente... mamás e crianças. A conversa está animada. Joana encontra suas amigas, a Cecília, a Rute e tantas outras. Todas elas, assim como Joana, precisam ajudar a encher os bidões com água e carrega-los para casa. A família de Joana geralmente leva 3 ou 4 bidões cheios.

Em casa Manoel se prepara para ir à escola. Ele tem 6 anos e vai no primeiro ano. Sua aula começa às 6.30H da manhã, no 1º turno.

Cada um vai para seus afazeres: a mamá vai à feira vender bananas, e Joana cuida da casa. Varre e prepara o mata-bicho no fogão à carvão. Cozinha massa de milho branco e bacalhau (peixe seco). Ás vezes ela recebe alguns meticais para comprar pão fresco, muito gostoso. Para acompanhar ela faz salada com tomate e cebola. E para beber? Água ou chá. O papá não está mais com eles. Ele ficou muito doente e morreu logo depois que Martinha nasceu. Disseram que era de um vírus chamado HIV.

10 horas Manoel volta da escola. Agora é hora de Joana se preparar. Ela veste seu uniforme: camisa rosa claro, saia marrom, gravata marrom, sapatos pretos brilhando e meias.  

- Tá tá, Risca! Manoel vai cuidar de si, está bem?
Joana freqüenta a 5ª classe. Ela gosta muito da aula de educação física.

Passando do meio-dia, Joana volta correndo após o sinal final. Ela estava com muita fome. Em casa todos se sentaram na esteira e cada um recebeu seu prato com massa e carril.

- Onde está Risca? Perguntou Joana.
Ninguém falou nada. Mamá olhou para Joana, “dizendo” com um olhar para comer. Mas algo não estava certo. Joana percebeu. Manoel olhava para o prato. Então Joana deixou seu prato do lado e saiu correndo...
- RISCA! Onde está você?!
Risca não respondeu. Não havia sinal de Risca.
Manoel falou baixinho para sua irmã:
- Risca fugiu!
- Fugiu? Mas, você não tomou conta dela? Hein Manoel?
Joana queria pegar Manoel, mas a mãe gritou que parasse.
- Alguns meninos jogaram pedras nele. Então ele se foi – falou a mãe. Não precisa agredir seu irmão.

Joana ficou muito triste. Ela correu pelos caminhos da zona, perguntando aos vizinhos. Ninguém havia visto Risca.
Os dias passaram e Joana aos poucos foi se consolando. Mas ela amava a Risca e não conseguia esquece-la.

Manoel brincava muito com os vizinhos, mas Joana achava que os meninos são os culpados pela fuga de Risca. Ela sabia que muitos meninos costumam jogar pedras nos cães e ataca-los com paus. Por isso ela não conseguia brincar com eles.

Às vezes brincava com suas amigas de jogar “malha”. Você precisa ser muito rápido para pegar pedras do círculo enquanto joga uma para cima. Antes de cair, você terá que pegar as pedras na mão. Primeiro uma, depois, duas, e assim por diante.

Certa tarde, o céu começou a escurecer cedo. Parecia que vinha uma tempestade.
Mamá ascendeu a única lâmpada da casa. Eles também tinham uma ventuinha para aliviar o calor à noite e espantar os mosquitos. Joana sabe o que é ser picada pelo mosquito da malária. Ela já apanhou malária muitas vezes. Dá febre muito alta e mal estar. É muito ruim.

O vento começou forte. Joana e Manoel ficaram com medo. E se o vento levar nosso telhado? A casa era feita de tijolos de barro, grudados com argila. Havia algumas janelinhas sem vidro e o telhado era de palha. Muitas vezes a chuva e o vento estragavam o telhado.

Não demorou muito a chuva começou forte, e o vento aumentava sua força. Ouviu-se alguns gritos e barulhos como chapas voando e tijolos caindo.
É um ciclone! Cuidado! Mamá gritou.

Ela juntou seus três filhos e os puxou para debaixo da única mesa que tinham. Joana, Manoel e Martinha se apertaram contra ela e choraram.

Mamãe lembrou do feiticeiro naquela hora. Ele havia dito que papai morreu porque foi amaldiçoado. Quando isso acontece a viúva precisa fazer algumas coisas muito difíceis para espantar os maus espíritos. Mas ela nunca fez isso. Por isso agora ela ficou com muito medo. Manoel e Joana também temiam o feiticeiro. Ele era bravo, e parecia que o ouviam falando grosso no barulho do vento.

O ciclone demorou somente alguns segundos, mas estragou muita coisa. Na casa de Joana ouviu-se um barulho grande e gritos:
- SOCORRRRO!!
O que terá acontecido? O telhado desabou.
Os vizinhos ajudaram a mamá e as três crianças a saírem debaixo dos escombros. Ninguém se feriu.
Seu José e sua mulher, deixaram que eles dormissem em sua casa. Eles tinham uma Bíblia.

Manoel sabia que era o livro do Deus dos brancos. Mas o senhor José não era branco. Ele abriu a Bíblia, e mesmo não sabendo ler, disse que ali estavam as palavras de Mulungo – Mulungo é o único Deus, tanto de brancos como de negros. Ele ama a todos: sejam brancos ou negros, ou outra cor.
- Mesmo que a vossa casa desabou, Mulungo cuidou de vós. Ninguém se feriu - disse seu José. Enquanto ele falava de Deus, Joana ouviu um ruído fora de casa. Fora estava tudo inundado com a água. Os caminhos e muitas casas estavam dentro da água. Não era possível caminhar. Mesmo assim Joana saiu. Ela percebeu que era um ruído conhecido.
Em cima de um pneu ela viu um pequeno cãozinho. 
- Risca!!!
Sim, Risca estava de volta. Joana a envolveu com um pedaço de pano e a levou para dentro da casa. A família estava completa.

A casa de Joana e Manoel foi reconstruída. Seu José e alguns vizinhos ajudaram. É claro que alguns queriam dinheiro. Era difícil arranjar esse dinheiro. Mas a casa e a família estavam completas. E o melhor de tudo é que a alegria veio morar junto na pequena palhota. Apesar de tantas dificuldades e pobreza, Manoel não precisava mais temer o feiticeiro. Mamá, Joana, e ele também, convidaram Mulungo para morar com eles em sua casa e em seu coração.

Moçambique é um país onde vivem 20 milhões de pessoas. É do tamanho dos estados de Goiás, Maranhão e Ceará juntos. Tem 72 mil curandeiros e apenas 500 médicos para cuidar de seus 20 milhões de habitantes.
AIDS – É uma nação extremamente pobre, onde 1,5 milhão de pessoas são contaminadas pelo vírus HIV. A cada ano, a AIDS mata 100 mil moçambicanos. 

ÁFRICA: 800 milhões de habitantes – 58 países – 2.110 línguas, 3.839 etnias.